Todos sabemos que o direito e as leis nem sempre correspondem à realidade dos fatos, ou que acabam se afastando dos eventos que lhe deram origem, tornando-se, na grande maioria dos casos, descontextualizados no momento da aplicação. Esse mesmo fenômeno pode acometer (e acontece com bastante frequência) o universo contratual e as relações que se desenvolvem na iniciativa privada.
Não é incomum que, passado algum tempo, os reais interesses que motivaram duas ou mais pessoas a firmarem um contrato acabem se perdendo, ou que a complexidade da operação deixe obtusos as reais intenções de cada um no negócio. Para evitar que isso aconteça, no momento da redação do contrato, o advogado pode (e deve) lançar mão dos “considerandos”.
NATUREZA JURÍDICA
Os “considerandos” não possuem natureza de cláusula contratual, ou seja, não firmam obrigações para as partes, de modo que não possuem caráter vinculante. Isso significa que não serão objeto de análise de validade, por exemplo, pois não firmam prestações recíprocas, sob o ponto de vista jurídico.
Cláusulas contratuais estipulam o objeto contratado, valores, prazos, garantias, formas de desfazimento, juros e multas, penhoras, modo do pagamento, etc. Ao não serem observadas, geram um estado de inadimplência. O mesmo não pode ser dito em relação aos “considerandos”, cuja função é o de contextualizar o contrato dentro de um universo fático-jurídico.
FUNÇÃO
Recapitulando: os “considerandos” possuem a função de demonstrar o contexto no qual se dá a contratação, os fatos que precederam a formação do vínculo, os problemas de que se busca solucionar ou evitar, bem como os reais interesses e objetivos que as partes possuíam previamente, que observarão durante e após o fim da relação contratual.
É nesse momento que as partes terão a oportunidade de delimitar e demonstrar o verdadeiro envolvimento que possuem umas com as outras e com os eventos que levaram à contratação. Também é comumente utilizado para se referir a outros contratos, a projetos a serem iniciados ou já em andamento, convênios, concessões e afins.
Nesse ponto, como os “considerandos” possuem a função de explicar o background em que o contrato foi firmado, havendo lacunas, omissões ou dúvidas a respeito da finalidade de uma cláusula ou da própria relação contratual, pode-se tentar interpretá-los observando o conteúdo disposto neles.
Já houve Ministro do Superior Tribunal de Justiça que alterou a natureza do contrato de locação para built-to-suit com base nos elementos colhidos nos “considerandos”.
CONCLUSÃO
Não são todos os contratos que requerem a inclusão em seu preâmbulo dos “considerandos”. Também não são todas as informações que precisam ser dispostas neles. Todas essas são escolhas estratégias realizadas observando detidamente a relação comercial a ser estabelecida, mensurando-se os riscos do negócio e como o contrato pode tratá-los.