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Citação por aplicativos de mensagens: o que está em jogo?

O art. 238 do Código de Processo Civil estabelece que a citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual. Trata-se de medida de inquestionável relevância para o contraditório, pois sua principal função é dar ciência ao réu da existência de um processo contra ele, permitindo sua participação e atribuindo-lhe ônus em caso de ausência ou atraso na apresentação da defesa (a revelia).

É por isso que, considerada a importância da citação para o exercício da ampla defesa, o sistema processual busca “dar ao juiz a suficiente segurança de que ela [a citação] haja cumprido a missão de levar ao demandado o conhecimento da demanda proposta” (Dinamarco). Isso implicava, como regra, a necessidade de que a citação fosse pessoal, com entrega do documento (mandado ou carta) diretamente em mãos do citando.

Algumas exceções eram (e ainda são) admitidas, como a citação por hora certa, por edital ou mesmo por meio do porteiro de condomínio edilício ou loteamento com controle de acesso.

Estamos, no entanto, diante de novos tempos. O avanço da tecnologia, aliado ao modo como nos comunicamos hoje, tem impactado diversas etapas do processo — inclusive a citação.

A citação eletrônica como regra

A primeira transformação relevante surgiu com alteração legislativa. O art. 246 do CPC foi modificado pela Lei 14.195/2021, que passou a prever que a citação deve ocorrer, preferencialmente, por meio eletrônico. Essa mudança é expressiva, especialmente se comparada à redação original do CPC/15, que listava a citação por meios tradicionais (correrios, oficial de justiça e etc) antes de mencionar, ao final, a citação eletrônica no inciso V.

A nova regulamentação, contudo, não abriu mão de outras formalidades cujo intuito é justamente garantir a efetiva ciência do destinatário. Assim, por exemplo:

    • a) os endereços eletrônicos devem ser informados pelo próprio citando (art. 246, caput);

    • b) a citação eletrônica ocorre dentro de um ambiente padronizado e regulamentado pelo CNJ na Resolução 455, o Domicílio Judicial Eletrônico (DJE);

    • a obrigatoriedade de adesão se aplica apenas à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às entidades da administração indireta e às empresas públicas e privadas, que presumivelmente têm estrutura para esse tipo de comunicação.

O que distingue a citação por WhatsApp

Essa introdução é muito importante para entender como as coisas se passam de modo absolutamente diverso quando o tema é a citação por WhatsApp, ou qualquer outro tipo similar de redes sociais. 

Não há nenhum dispositivo processual que permita que:

    • a) aplicativos de mensagens/redes sociais sejam utilizados para realização de um ato de comunicação processual tão relevante, como a citação;

    • b) essa comunicação ocorra em número, ou rede social indicado pelo autor da demanda, e não pelo citando (diferente do que se passa com a citação eletrônica no DJE).

Fato é, no entanto, que essa já é uma realidade nas instâncias de primeiro e segundo grau, que vêm autorizando ou validando a citação por redes sociais, especialmente pelo WhatsApp. Inquestionavelmente, ela se tornou uma alternativa relevante nas situações em que o autor não conhece o endereço do réu ou do executado.

O Passamani & Bermudes Advocacia, recentemente, conseguiu utilizar com êxito a citação por WhatsApp em uma ação de revogação de alimentos. A citanda residia nos Estados Unidos, em local não conhecido pelo autor. A citação foi realizada por meio do aplicativo, e a ré confirmou o recebimento, tendo se manifestado no processo. Caso esse meio não estivesse disponível, seria necessário recorrer à carta rogatória ou ao auxílio direto — caminhos mais lentos e burocráticos.

Mas e se não houvesse confirmação de recebimento? A citação seria considerada válida apenas com base na indicação, pelo autor, de um número que supostamente pertence à ré?

É justamente aí que reside a maior dificuldade. A validade da citação por WhatsApp depende de critérios objetivos que assegurem a ciência inequívoca do destinatário. A ausência de parâmetros claros torna arriscada e instável a adoção dessa forma de comunicação processual.

Citação por WhatsApp no STJ

O tema está atualmente submetido à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que deverá definir, no âmbito do Tema Repetitivo nº 1345, se é válida a citação em ações cíveis por meio de aplicativo de mensagens ou redes sociais.

Há poucas decisões colegiadas anteriores:

    • No REsp 2.026.925/SP, a citação por WhatsApp foi considerada inválida, a princípio, diante da ausência de previsão legal. Admitiu-se, no entanto, a possibilidade de convalidação do ato quando comprovada a ciência inequívoca do citando, afastando-se qualquer autorização genérica ou antecipada para uso desse meio.

    • Já no AgInt no AREsp 2.713.420/DF, entendeu-se válida a citação realizada por WhatsApp, desde que cumprida sua finalidade: dar ciência inequívoca à parte citada. A decisão considerou que a forma não deve prevalecer sobre o resultado efetivo do ato.

Conclusão

É uma decisão com indiscutível repercussão prática e deve ser tomada com todas as cautelas que o ato de citação, como pressuposto do contraditório e da ampla defesa, impõe.

A discussão revela um dilema central: como compatibilizar as formalidades legais que visam assegurar a ciência inequívoca com as possibilidades abertas pelas novas tecnologias? O que está em jogo não é apenas o meio de comunicação.

Daniela Bermudes Advogada

Daniela Bermudes

Sócia e Advogada do P&B Advocacia

Atua em processos judiciais contratuais, indenizatórios e de família. Doutoranda em Direito Processual na Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professora de Processo na Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Autora de capítulos de livros e artigos jurídicos na área de Direito Processual Civil.

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